por Daniel André Teixeira'





O dia começa a conhecer a desvanecer.
Com a escuridão das horas nocturnas certas luzes se acendem para iluminar algumas ruas. Elas saem para mais um dia, mais uma noite à procura de dar amor a quem queira, ainda que com tempo contado.

Umas apresentam-se à frente de um simples clube, de uma "pensão do amor" onde entregam o seu corpo a um qualquer estranho; já outras enfrentam a rua, fazendo das esquinas o seu forte e esperando pelos "habituais" que as procuram. Entre olhares frios de quem sabe que são um negócio a outros porém mais inocentes de quem não tem outra possibilidade de vida eis que se expõe assim, às luzes da cidade à espera de uma noite proveitosa. Com mais ou menos idade elas são as mulheres que a noite traz.

A clientela é diversa. Entre os engravatados que agitam o dinheiro para uma noite longe de casa e que as passeiam num qualquer carro de alta cilindrada com promessas de uma vida melhor, àqueles que procuram fugir da rotina de um casamento pouco feliz e aceitam uma noite de amor momentâneo a troco de um valor monetário sem nunca esquecer aqueles que vêem nestas mulheres a única hipótese de alguma vez ser amado.

Estas mulheres dão tudo de si, onde passam por serem um bem dispensável, a mulher "única" e por vezes ser um ombro amigo. Tudo isto numa noite de "negócios", onde o sentimento puro tem pouco lugar.

A noite já se prepara para dar a vez à manhã de um novo dia. É tempo de fazer as contas e terminar o seu ganha pão. É hora de voltar à sua vida (algumas para aquela mais digna do que a noturna) e repousar como puder. 

Quando a noite voltar é sinal de mais episódios onde o amor acontece ... mas tem um preço.


Porto, 21 horas.

A cidade já estava adornada com as cores da noite que tinha chegado.
Quem geria as lojas de rua prontamente preparava tudo para mais um dia de trabalho terminado. Eu mesmo me encontrava ali, nos Clérigos, à espera do sorriso da namorada como quem carimba a frase "por hoje está feito".

Mas antes disso acontecer é fatídico e inevitável que repares nos pormenores e na magia que traz a noite a uma cidade como o Porto. Enquanto aguardava por ela, sentado no carro e com a janela meia aberta, não pude deixar de virar atenções para um encontro peculiar.

Ela vinha a descer a rua, cabelo arranjado, um simples vestido e com um casaco de malha a dar um toque à indumentária daquela noite, naquela fase da vida que não é adequado perguntar a idade. No rosto trazia a expressão de felicidade, suspeição e preocupação mas nada a impedia de descer a rua. Ele vinha a subir. Casaco de padrão de três botões e lenço na lapela, cabelo grisalho e sapato engraxado. Ostentava um sorriso à medida que se aproximava dela, destino cada vez mais real a cada passo.

Rapidamente ficaram cara a cara. Apesar de dois beijos ser o modo mais sociável de poder começar um qualquer encontro na rua era claro que isto não era uma coincidência. Deram a mão como quem pede uma dança e disseram boa noite.
Ela estava envergonhada como se voltasse à juventude e um qualquer cavalheiro a convidasse para sair, ele continuava sorridente e feliz, como se o Mundo lhe tivesse dado o melhor momento do seu dia. 

"Isto não está certo. Sabes que isto já não é para nós, é para os jovens", aclamou ela. Ele continuou a agarrar-lhe a mão e tentou sossegar o seu espírito dizendo: "Não estamos a cometer nenhum mal. Faremos um passeio nesta noite tão bonita, vai fazer-nos bem. Se é para os jovens hoje somos de novo jovens então".

Durante alguns minutos ela continuava apreensiva com a ideia, talvez só naquele momento estivesse a reflectir se o "sim" que tinha dado como resposta ao encontro fosse realmente a resposta certa. Ele nunca desertou, tentou entre toques suaves no seu braço e cabelo confortar a mulher que ele queria ter do seu lado para o tal passeio nocturno.
Depois dos esforços dele, a mulher aceitou. Agarrou-lhe no braço e desceu a rua com ele enquanto conversavam. 

Ficou-me apenas no imaginário como pode ter corrido o encontro: se ele escolheu a Ribeira como paisagem ou passaram a ponte para ver o Mosteiro da Serra do Pilar. Se nunca lhe largou a mão e ficou por aí ou se foi mais "atrevido" a tentar um beijo se o momento assim o pedisse.

Seja como for fiquei embevecido, porque melhor do que apregoar que o amor não tem idade, testemunha-lo tem realmente outro encanto.