por Daniel André Teixeira'



A porta fechou.
Aquela pessoa saiu, não só de uma casa que outrora foi tecto de uma vida a dois mas também sai da vida daquela que fica.

O som da porta é ensurdecedor, difícil de evitar o seu eco ao longo das horas e momentos seguintes. É frio, sem sentimento, ignorando todos os outros momentos de luz e alegria que pairava noutras alturas.

O que fica do que passa é a força do que sobrevive. A alma de alguém que vê sair da sua vida uma pessoa especial é posta à prova pela vida. "Como viver sem o 'amanhã' que pensamos juntos?". Um caminho custoso, que nos faz questionar tudo o que somos e como nos comportamos. Minutos que parecem horas, horas que parecem dias.

É nessa altura que ha-que ser maior que o Mundo. É tempo de olhar para dentro, curar o que foi ferido e olhar o horizonte com a garra de quem o vai conquistar. O tal "Amanhã" pode não ser o planeado, mas terá que ser ainda melhor porque tu vais ainda cria-lo. 

Só assim as nuvens desaparecerem, só assim a chuva pára de cair. Evitando os clichês da vida, só se pode mesmo procurar o que de melhor ela tem. Portanto sorri, sê feliz e deixa-te encantar, só assim vais sobreviver sempre que as portas fechem e com isso te ameacem magoar com essa roda viva a que chamamos vida.

O amanhã começa contigo, sempre.



A noite caía naquela cidadela americana enquanto a chuva teimava em reinar. Ele, totalmente ensopado e ainda a ajeitar uma camisa mal passada por entre uma gravata mal amarrada lá se dirigia para a sua mesa usual. O ambiente suave é servido desde logo pela JukeBox que, pelo simples honorário de uma moeda, proporciona Blues e Jazz entre a agulha e o vinil que só por vezes se descuida e risca.

Ela chega. Mal sabe ela que é por ela, com a sua simplicidade munida de um avental sempre sujo e sorriso que não dá para ser indiferente, que ele saí do trabalho e invés de retornar a casa vai sempre aquele cantinho jantar. 

Ele lá pede aquela carne e batatas que só se pode dizer que se assemelha a uma refeição bem confeccionada e pede a sua cerveja, a sua fome pouco ou nada pelo prato. Enquanto brinca com a comida com o garfo e valentemente tenta colocar à boca não deixa que ela saia de vista. Só o facto de a ver tranquilamente e a rir enquanto limpa o balcão já o fazia quase esquecer onde estava.

Enquanto a JukeBox tocava "Georgia on my Mind" ou o "You don't know me" ele dava voltas à cabeça de como falar com ela de um modo mais especial e não apenas o "sim, o jantar está óptimo como sempre" sempre que ela passava pela sua mesa.

As horas passavam e o tempo de fecho avizinhava-se, ele estava a ficar sem tempo.  Já só restava ele e ela naquele singelo restaurante. Eis que num momento de loucura instantânea ele se levanta da mesa e se dirige à JukeBox. Com uma certeza que nunca sentiu sacou de uma moeda e escolheu. Seria Ray Charles, "That's All". 

Suavemente se dirigiu a ela e pediu que dançasse com ela. Ao ouvido confessou "é por ti que estou aqui sempre, acho que já nem consigo mastigar mais aquele bife". Ambos sorriram e enquanto Ray Charles os embalava eles estavam sozinhos no Mundo.
A música continuou e ele lá acompanharam até ao fim, até que as moedas acabassem, mesmo que a JukeBox teimasse em desafinar.

Chovia naquela simples cidadela americana, mas dentro daquele "Dinner" não havia mais nada a não ser música.