por Daniel André Teixeira'




Hoje lutamos contra ti.
Tu que permaneces invisível aos nossos olhos, mas que deixas bem parente a tua força a cada dia que passa.


Inimigo da Humanidade que nos priva de poder saborear o bom da vida, que nos restringe cada passo para que não sejamos vítima do teu mal.

Já deste provas do que podes fazer. Percebemos que tens o condão de desertar cidades inteiras que eram cheias de vida não há muito tempo, que empurras milhares na tua epidemia com mortes e infectados em catadupa por todo o mundo e que fechas ligações para que não possamos estar com os nossos que nem sempre estão por perto. És capaz de trazer o caos naqueles que perdem o discernimento e fazer com que eles não pensem no próximo. És duro de roer, temos de admitir.

Apesar de tudo não te iludas.
Não sairemos disto sem dar luta. Não te vamos vender uma vitória fácil.
Iremos sacrificar e adiar momentos da nossa vida? Sim, mas vamos vencer, mesmo que isso nos faça reinventar a nós mesmos a cada dia que passa. É um desafio que nos propomos a ter para poder viver e conviver mais tarde com a normalidade.

Por isso mesmo vamos continuar a viver, o que muda é a precaução. Porque será com ela que vamos triunfar sobre ti, mesmo que não te possamos ver.






O frio contundente e o vento forte não impediam a vontade daquela decidida criança.
Num ápice procurou o casaco quente, as luvas e o gorro e com a mesma velocidade correu como podia e esperou à frente da porta como quem pressiona os pais: Era noite de ver a "árvore grande" de Natal.


Em casa tudo já chamava a época natalícia. Os corredores estavam apetrechados de pormenores, as meias já estavam penduradas acima da lareira e as mesas já tinham o seu toque aguardando a noite de Natal. Até a árvore já estava montada ... mas mesmo todo aquele reluzir entre o papel de embrulho dos presentes já colocados na base não fazia aquela criança arredar pé e querer ver tal símbolo nas ruas da cidade.

De modo frenético lá ia pelos passeios a puxar os pais pela mão, como quem receia que tal espectáculo terminasse sem que ele o pudesse contemplar. Acelerando a cada passo ia focado na vontade de ser maravilhado. O reflexo das luzes nos prédios adjacentes à medida que se aproximava só fazia aumentar a ansiosidade.

E de repente parou. Ali estava ela. Um misto de luzes diversas que se fundiam entre as variadas cores que, como se uma sinfonia se tratasse, apareciam quando outras se apagavam, transmitindo uma magia única. Prontamente o pai pegou-o ao colo para que ele pudesse olhar mais além e contemplar a estrela no topo, que brilhava ciente da sua prepotência. 

Entre a multidão embevecida pela atração não faltaram aqueles que não perdiam a chance para filmar ou fotografar, mas estavam também aqueles que, agarrados aos seus, apenas olhavam silenciosos aquele momento que traduzia o Natal: brilho, magia e união. Mesmo que naquela noite o frio teimasse em querer reinar, para muitos era apenas um convidado indesejado naquele momento.


Boquiaberto permaneceu, apenas parando para sorrir para os pais enquanto apontava incessantemente e batia palmas e dizia "árvore grande" com a maior alegria do Mundo. Era uma criança feliz e naquele momento o Natal trazia-lhe uma magia sem igual. Mesmo que tal espectáculo pudesse estar replicado no conforto de casa era ali, em plena cidade, que sentia o poder e a aura natalícia.


Mas o tempo corria e as horas passavam, era momento de voltar para casa. Ao colo do pai permaneceu no regresso, com os olhos semi cerrados de cansaço enquanto a árvore se desvanecia ao longe. Pouco tempo depois adormeceu no banco de trás do carro mantendo ainda um singelo sorriso.

A magia do Natal apareceu àquele menino em forma de "árvore grande". 
Que essa magia nunca se perca ao longo dos anos.


FELIZ NATAL.



Era um manto branco que dava a cor à cidade enquanto o vento espalhava o frio de Inverno.

Entre as ocupadas e preenchidas ruas naquela sempre mágica quadra lá se via o quente que emanava dos Glühwein e dos Orangenpunsch que os cafés serviam para aquecer corpo e coração doa transeuntes. Havia o rodopio normal no Sacher entre saídas e entradas a contrastar com a calmaria e aparente tranquilidade de um sempre clássico Café Mozart.

Nem mesmo a temperatura quase negativa tira o brilho singelo de Viena.
A neve que a veste só lhe dá mais encanto e veste paisagens entre o pitoresco e o moderno que a cidade impõe. Lá se aventuram os fotógrafos para uma foto digna de postal, aquela que melhor vai representar aquelas horas de caminhada ao frio. Seja nos jardins, seja no poder histórico ou até mesmo para se perderem nos mercados de Natal. Tudo vai dando a sua pitada de sabor e interesse em cada esquina da cidade. Quando a noite cai lá se vão vendo alguns burgueses vestidos a rigor para verem a arte ser criada na Ópera de Viena e assim fugirem também à noite fria enquanto se deixam levar pelo espectáculo.

Viena, como quem chama o Natal até si, assim permanece com o seu charme entre o poder do Inverno que se abate sobre ela. Consegue ser beleza entre o vendaval, cor reluzente entre o branco que cai.






Preciso de outra história, outro conteúdo entre as capa e a contracapa desta vida para a minha aborrecida existência.

Neste mundo já nada me encanta, entusiasma ou cativa.
Não há fenómeno soberbo, nem sedução arrebatadora.
Não há canção que chame, não há paisagem que inspire, não há pessoa que me aproxime.

Tudo tornou-se mundano, chato, sem vida ou essência.
Parecemos concordar na aceitação que vivemos para morrer e não vemos mal nesse veneno que condena a sociedade. Seguimos vivendo, sem que a vida nos dê as cores que a pintam verdadeiramente..

Não acredito em promessas, em política, em farsas ou versos escritos com poesia vazia.
Não me vendo nem revejo nos valores que se levantam, não sou símbolo nem imagem, sou no anonimato mais um que não se insurge. 

Sou mais um, só mais uma sombra ou figurante nesta história de livro sem graça.

Se o Mundo pode mudar? Não sei, mas há quem já não queira ter a força de o mudar ou de o ver transformar. É assim que me apresento e se outra história não se cruzar o no meu caminho sei bem qual será o meu fim ... e a escuridão nunca fez tanto sentido.





"A senhora pode esclarecer o Tribunal e explicar o que se passou naquela noite?"

A pergunta era clara e direccionada a ela.
Porém nunca a resposta foi tão complexa e complicada de criar ou exprimir.

A fatídica noite começou como sendo uma das demais rotineiras desta vida.
Ela seguiu para casa após um café. Sozinha, serena, simplesmente a fazer o caminho para poder finalmente descansar no seu lar. 
Apanhou o comboio, o último daquele dia. Seguiam nele mais quatro pessoas, desconhecidas umas das outras, apenas à espera da sua estação de saída. Entre solavancos a viagem continuava, mas iria ter um rumo inesperado.

 Eis que o comboio pára e ele entra. 
Mudo, olhar frio e emsamblante carregado de quem se calhar tinha afogado as mágoas num final de uma garrafa. Lentamente encosta-se a um dos postes da carruagem. Perante os solavancos do velho comboio nocturno eis que acidentalmente bate num dos passageiros que prontamente lhe berra "Vê se te seguras seu bêbado!! Seu vagabundo". O olhar frio virou de raiva e sem contemplação saca uma faca do casaco e ataca o passageiro veemente com várias facadas no peito. Perante o sangue desvariado e os berros dos outros passageiros ele, sedento e cego, procura-os e volta a disferir facadas constantes sem dó da dor que provocava. Quatro mortes sem dó nem piedade, sem razão ou argumento.

Ensaguentado procura mais vítimas e eis que a encontra. Porém ela não gritou. Apenas ofegante com toda a situação encontrava-se abaixada e abrigada entre bancos de comboio na esperança de aquela não ser a sua última noite. Eis que o olha nos olhos e, quem sabe por magia, ela não viu o monstro que esfaqueou quatro almas em poucos minutos; Ele, mesmo empenhando alta a faca ensaguentada, não a atacou. Apenas respirava a alto ritmo e fulgor como se a mente não deixasse que a faca magoasse aquela mulher.

O entrelaçar de olhar continuou intenso. Entre o silêncio ela suavemente colocou a sua mão na cara dele, mesmo enquanto ele não arredava de ter a faca em riste. Ela viu algo ali, um sentimento que superou o medo e o horror. Lentamente chegou a ele de tal modo ternurento e próximo que ele acaba por largar a faca e ficou sem reação perante tal gesto. Com lágrimas nos olhos a escorrer na cara cheia de sangue aproveitou a paragem do comboio e saiu a correr da carruagem. Ela manteve-se estática e sem reacção. 

Mais tarde ele foi encontrado por um agente que, ao ver todo aquele vermelho "pintado" nas roupas dele o deteve. Confessou o crime quase sem pressão e mais tarde encontraram-na para ela poder prestar declarações sobre o que se tinha passado. E ali estavam de novo no mesmo lugar, desta vez sob o olhar atento da justiça.

Enquanto testemunhava tentava não olhar para ele, com receio de magoa-lo como quem é a força final que o vai condenar. A mulher que amou o monstro estava ali, a dizer ao mundo que aquele homem assassinou quatro pessoas, mas não conseguia dizer que o ama desde essa noite.

Sai em lágrimas do tribunal por saber que ele seria condenado sem contemplação ... e sem nunca lhe poder dizer o que sente. Ela viu o horror, mas sem explicação amou a criatura que o fez.