por Daniel André Teixeira'



A porta do carro bate. A chuva cai incessante enquanto ele caminha para a porta quando o escuro da noite se torna suavemente no cinzento da manhã.

Ao subir as escadas do prédio tenta silenciosamente procurar as chaves e abrir a porta. Entre passos bem ritmados procura passar o seu hall de entrada e chegar ao quarto para poder repousar. Mas a rotina continua, ela está a acordada. 

Encostada à porta da sala fica a olhar para ele, entre o lamento e a raiva de quem volta a esperar pelo marido a altas horas da noite. Lá voltou de mais uma noite de devaneio, a cheirar a álcool e a fragrância de outras mulheres. Ela já não tem força para discutir, para criar uma cena, para reprimir tal acto de alguém que outrora lhe disse que só conseguia amar uma mulher. Só sente tristeza do momento que vive; Ele tem tem o semblante de quem desistiu, tanto de procurar uma explicação do que faz e do matrimónio que contraiu. Já não vê nela o que o seduz e vê noutros vícios o escape de uma vida que lhe sabe a miserabilidade.

Uma noite igual a muitas outras. A chama de uma vida a dois tornou-se um tornado de emoções pouco saudáveis para um homem que nem consegue conviver com a esposa e tenta atrasar sempre o seu regresso a casa desviando-se sempre por caminhos dúbios e para uma mulher que já não consegue esconder o desgosto de ver um homem bem diferente daquele que já amou. A cola que ainda une um casamento em cacos é o irresponsável orgulho de quem não tem a coragem de dizer que tudo acabou. Preferem enganar as multidões, entre sorrisos falsos entre amigos e os fatídicos "está tudo bem" do que terminar esta fase que os desola. A consequência são a repetição destas noites que têm sempre o choro dela na cama enquanto ele se lamenta no sofá ainda acompanhado de uma bebida.

Nem todas as histórias acabam bem, têm aquele final feliz e bonito. Alguns têm na sua história páginas negras como esta. A história deste qualquer homem que se deixou levar por pecados da sociedade que o corromperam e fizeram perder a mulher que amava é da mais mundana que existe, e a tristeza dessa mulher que já não sabe o que é uma noite ao lado do homem que ama e de se sentir feliz é a sina de tantas outras mulheres neste mundo. Que o orgulho fique de lado quando se procura a felicidade.
A noite gelada, passível de ser igual a tantas outras de Inverno, trouxe consigo um adorno. O nevoeiro caiu sobre a cidade, apenas interrompida na sua poderosa plenitude pelas teimosas luzes de rua e pelas luzes dos carros que rasgavam o manto para seguir o seu caminho.

O frio era bem patente e fazia-se sentir com preponderância, bastava observar um qualquer transeunte que passava na rua embrulhado entre agasalhos que pareciam nunca trazer o calor necessário para o conforto que se queria.

Ele era como eles, mas embutido de uma missão. Entre casaco e cachecol ele tinha uma promessa a cumprir. De olhar fixo lá trespassava o nevoeiro de passo acertado rumo ao destino: o ponto de encontro. Tinha prometido à sua amada que estaria lá aquando a chegada dela, não ia deixar que um mero nevoeiro o quebrasse dessa demanda.

O nevoeiro retocava as ruas planas ao esconder o que vinha mais à frente e fazia das ruas a pique autênticas escaladas onde não vias o cume. Mudava-se assim a paisagem, a seu bel prazer.

Ao chegar, enquanto aguardava por aquele beijo quente da namorada, limitou-se ao silêncio e olhou em seu redor contemplando aquele manto que cobria a cidade. Um adorno tão singelo e simples que fazia tudo mudar, ou os carros não tivessem que desacelerar e as pessoas terem de acertar o passo por tamanha ofuscação vinda dos céus.

Ao fundo a pequena miragem torna-se mais certa e real. É ela que se aproxima do local acordado. Já de sorriso pronto ainda que faltando uns metros para o agarrar, ele já se sente presenteado. Eis que se beijam e aquecem o coração, como é apanágio. De mãos dadas seguem o seu caminho, entre o nevoeiro que serve de paisagem noturna.