por Daniel André Teixeira'




Última exibição daquela sessão circense.
O público vibra com o espectáculo, não há uma alma que não sorria com o entretenimento servido naquela noite. Entre adereços e brincadeiras o público responde com gargalhadas que se espalham na tenda do Circo. É em apoteose que o palhaço progride com o seu momento, onde o seu ridículo é aclamado como uma obra de arte que merece aplausos na vénia final.
É assim mais um serão do feliz palhaço de circo.

Mas eis que a cortina cai e tudo muda.
As luzes do espectáculo se desligam e o público volta para suas casas. O último protagonista retira-se e volta para o seu camarim. A cara de alegria do palhaço que minutos antes divertia a multidão muda de semblante. Enquanto limpa a cara retirando a maquilhagem com um pano velho e molhado não consegue conter o sofrimento, o desgaste, a fadiga de quem parece que a vida e a felicidade que podia vir dela nunca lhe foi dada. O seu camarim desarrumado e carecido de ostentação pessoal é a imagem de alguém quebrado pela rotina. Procura numa fogaz bebida e numa mão cheia de comprimidos um possível escape enquanto tenta tranquilizar uma cabeça já pouco consciente da realidade e que anseia por repouso. Fecha os olhos e tenta procurar na sua mente um lugar melhor, limpo, que possa ser mais apaziguador para a sua alma e que o faça sobreviver mais um dia da sua vida.

De nada suspeitam aqueles que tranquilamente voltaram a suas casas depois do espectáculo. Com elas vai a imagem de um palhaço que protagonizou momentos de gargalhada e boa disposição em meia dúzia de minutos que alegrou assim a sua noite. Jamais poderiam antecipar que o mesmo corpo que aguentou quedas hilariantes e cremes de tarte na cara para seu prazer é o mesmo que agora sofre, sem forças, calado, entre os seus comprimidos e bebida barata. Muitos falam da "magia do circo", mas ele há muito que deixou de sentir essa magia.

Como é possível que a mesma pessoa que sofre diariamente consiga, apenas escudado com roupas extravagantes e jocosas e maquilhagem berrante, ser o foco de uma alegria quase inesgotável aparecendo aos espectadores com o propósito singelo e solene de as fazer rir para poder ser feliz também? Como é possível viver com a alegria e a tristeza na mesma pessoa, na mesma consciência?
Até onde se pode manter esse equilíbrio sem deixar que a força má vença o duelo?


O Mundo tem destes contrastes, neste circo que é a vida.