por Daniel André Teixeira'

No Fundo da Garrafa

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O meu turno de hoje vai a meio, mas é como se o dia fosse sempre o mesmo. 
Muitos entram e saem deste bar. Sejam "zé ninguém" ou até alguns daqueles que aparecem nos media destes dias aqui todos são iguais aos seus pares. Sentam-se, consomem do mais rasca dos licores ao mais fino dos sabores de garrafa com referência cara e assim se desligam do Mundo.

É sempre um entra e sai, nem sempre com a maior das classes, mas menos para um senhor que só vê a rua quando estas portas se fecham. No sítio do costume, sempre ao canto do balcão, ele ali estava com a garrafa a poucos centímetros do seu alcance. Não lhe saem muitas palavras da boca, só me chegava a ele quando o seu braço se levantava como quem pede uma outra garrafa para substituir aquela que está vazia. Nem mesmo quando limpava o balcão ele cria alguma ligação humana. É apenas um corpo que se sustenta de goles constantes de bebida para poder prevalecer neste Mundo.

A rotina dele era tal que passava como invisível para todos que frequentam o bar ... e ele não fez questão de mudar o cenário. Ficava muitas vezes a pensar se ele conseguia ver algo de positivo no fundo de cada garrafa que consumia. Se alguma luz ou sabedoria vinha dos goles profundos que dava. Do modo como deixava resignado a nota com que pagava (sem pedir troco) no balcao e voltava a ajeitar a gravata enquanto saía percebia que todo aquele escape "terapêutico" alcoólico de nada serviu. 

Hoje, num momento mais parado, limpei o balcão e peguei no jornal. Ele estava lá ... dado como morto. Suicidou-se durante a madrugada deixando junto do seu corpo uma carta de despedida e desespero pela vida pobre e sem alegria que deixava. 

Todos os dia o via, todos os dias passava ao lado da sociedade.
Agora partiu, sem brilho e sem ninguém realmente saber como se sentia. 
Fim da linha, como uma garrafa que terminou.

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